Saturday, October 23, 2010

O QUARTO
Para mim, o quarto é muito mais do que o cômodo de nossas casas que somente usamos para dormir. Também se usa para dormir, seria a designação mais correta, pois eu uso para muitas coisas mais. Se eu parar para uma rápida reflexão, chegarei a conclusão de que passei, como um prisioneiro penitenciário, mais da metade da minha vida sozinho dentro do meu quarto, com a diferença de que sempre tive a opção de sair. Também em função de todo esse tempo, a relação se torna muito visceral para se dizer que é apenas um lugar para dormir.
Na maior parte desse tempo eu estive dormindo, claro, mas por muitas outras vezes eu estive meditando, escrevendo, tocando ou fazendo diversas outras coisas não tão importantes a ponto de merecerem ser citadas aqui. Você, quando está no quarto, pode achar uma merda estar ali naquele momento em que podia estar lá fora fazendo outra coisa, mas quando você está lá fora fazendo outra coisa, independentemente de onde você esteja ou do que você esteja fazendo, e algo dá errado, a primeira coisa que você pensa é que poderia estar na tranquilidade e segurança do seu quarto. Mas não, em algum momento você abriu mão daquilo e se colocou ali naquela situação, que agora está terrível porque deu errado.
Você trabalha num modo super avançado no seu quarto. Nele você é capaz de atingir um nível no que se presta a fazer que muitas vezes surpreende até à você mesmo. No seu quarto, você é um gênio que simboliza o antônimo do idiota que você é fora dele. Você é um cara com mais respostas que Freud; um analista capaz de detectar complexas patologias psicológicas e dar orientações em prol de suas resoluções. Em seu quarto, você é superdotado.
No quarto, ao fechar a porta e se conectar a internet, as pessoas padecem de um sintoma que é o de estarem sozinhas e acharem que estão em companhia. Então você pensa muito e tecla com outras pessoas, mas na verdade você continua ali sozinho. Você pega seu violão e toca uma música no microfone e acha que tem mais gente ali com você, mas na verdade você está apenas tocando sozinho em seu quarto. Independentemente se estão vendo, lendo ou ouvindo o que você está fazendo, você continua ali sozinho. Essa é a droga de nossos tempos, é o contato com a realidade e ao mesmo tempo o inverso. É você deitar em sua cama com o fone de ouvido no último volume, apagar a luz, se cobrir, fechar os olhos e sentir música. É irracional, mas você tenta resumir o mundo naquilo e, por um momento, você consegue; consegue deixar as atrocidades lá fora, a desgraça e o desespero ficam e nada mais além de música te atinge. Então você chora sem ninguém ver, chora pelo seu mundo que logo vai acabar e pelo outro, que é o que te espera com todas as suas nojeiras e desgraças a mil, que não vai sossegar e nem te deixar sossegado até devorar o que você tem de bom e fazer você cair completamente exaurido no picadeiro de sua própria imaginação e na glória de sua própria solidão.

6 comments:

Ygor said...

É, exatamente como você descreveu. Mesmo assim, mal posso esperar pra sair do meu!

sban87 said...

Eu também toco muito no meu quarto. #punheta

Iule Karalkovas . said...

Nossa, gosto MUITO do seu blog!

@Emsinho said...

O Quarto!

O texto!

Anonymous said...

Perfeito (:

Anonymous said...

Demais! Tocou a alma.