Saturday, August 28, 2010

"Eu estou ficando velho, Zilda. Velho e fraco. E sinto que dessa vez eu não vou durar muito. A vida é tão engraçada, né? A gente nasce, cresce, tem os filhos, os cria, trabalha igual uns filhos da puta! Pra quê? Pra morrer no final. Essas dores no estômago... pra mim isso é câncer. O médico disse que não, repetiu mil vezes, até me mostrou os exames. Mas pra mim é câncer! Pra mim ele tá mentindo, e sabe por quê? Porque ele tem pena de me dizer a verdade! É câncer, Zilda! Eu já vi muita gente morrer dessa doença. É uma morte horrível! É como se fosse um animal grotesco, sem dó nem piedade, que fosse te comendo por dentro, pouco a pouco e lentamente, só pra te fazer sofrer mais. Primeiro ele ataca órgãos: fígado, rins. Depois é a vez dos tecidos, nervos, circulação. Quando você se dá conta, até a sua alma atrofiou. Primeiro você emagrece, e eu já perdi cinco quilos esse ano. Cinco quilos. Aliás, como passou depressa esse ano, não? Quando você vê, acabou o dia, a semana, o mês. Quando você vê, Zilda, ACABOU A VIDA! Se eu continuar com essas dores terríveis no estômago, logo eu vou precisar ir pro hospítal. E no hospital, vixe, a gente morre mais rápido ainda. Acho que é por causa do desamparo, do silêncio. Eu tenho medo de morrer. Tenho sim, e admito. Eu poderia até ter vergonha de dizer uma coisas dessas, afinal, eu já vivi tanto. Mas a verdade mesmo é que eu tenho medo de morrer. Pra mim a morte é o fim, o ponto final. THE END. Não acredito em reencarnação, vida após a morte, em anjos que te levam até o céu. Não! Pra mim o que existe é a carne apodrecendo, cabelo caindo, e a caveira secando no caixão. É, Zilda, eu estou morrendo. De câncer. Mas não se deem por vencidos. Que quando EU morrer, eu volto, só pra puxar o pé de todos vocês!"

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